A C H A M O S !
Dentinho embarcou no vapor Arari no cais de Ponta de
Areia, distrito de Caravelas, no Extremo-sul-baiano, às 5:30 da madrugada de
uma quarta –feira, em Janeiro de 1963, rumo ao Rio de Janeiro.
Nascido naquele lugarejo, terminou o antigo ensino
ginasial em Caravelas no Ginásio Santo Antônio que tinha a fama que conserva
até hoje de ser um exemplar estabelecimento de ensino.
Trazidos pelos trilhos da antiga Estrada de Ferro
Bahia a Minas, que ligava a cidade Baiana de Caravelas à cidade de Araçuaí no
nordeste mineiro, aqui chegavam muitos estudantes vindos de Minas Gerais,
principalmente das cidades atravessadas pelos trilhos da estrada de ferro:
Ladainha, Novo Cruzeiro, Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque etc., e até
outras cidades mais distantes não atendidas ´pela via férrea, como Mantena,
Itambacuri e tantas outras. Àquele tempo, Caravelas era considerada importante polo
cultural do extremo-sul-baiano.
O navio foi fazendo escalas até o porto do Rio de
Janeiro. Primeiro pegou carga e dois passageiros em Nova Viçosa. Ficou um dia
lá e zarpou no dia seguinte tão logo a maré permitiu. Dalí, partiu para
Vitória, no Espírito Santo. Sempre que não estava botando os bofes pra fora por
causa do enjôo, Dentinho corria para a cabine de comando para ficar apreciando
o oceano e fuzilar o comandante do navio, “Seu” Vidigueira, com milhares de perguntas que se atropelavam
entre sí. Muito amigo do pai de Dentinho, o velho comandante de tudo fazia para
tornar a viagem do filho de seu amigo a menos incômoda possível.
Depois de 7 dias de viagem, o navio aportou primeiro
em Niterói, onde ficou por 1 dia e meio .De lá podia-se avistar o Pão de Açúcar e seu bondinho
subindo e descendo e dando curso à imaginação desse jovem que ainda não
completara 18 anos, o que faria em Abril.
Observava e se distraia também contando os pousos e
decolagens dos aviões no Santos Dumont, aeroporto encravado no centro da Rio de
Janeiro, expremido entre os arranha-céus
e a baía de Guanabara. Por vezes essa observação levava seu pensamento
ao rincão amado que deixara dias atrás. Quantas vezes, lembrou então, do
aeroporto de Caravelas, naquela época, anos 60, que recebia intenso tráfego
aéreo, já que era base de abastecimento da Força Aérea Brasileira, com
contingente numeroso de militares. Naquela época, muitas companhias faziam
escala em Caravelas, além dos aviões da FAB: Pan-Air do Brasil, Loyde Aéreo
Nacional, NAB- Navegação Aérea Brasileira, Cruzeiro do Sul, Real Aerovias…Dentinho
se perguntava entre um pouso e outra decolagem, se alguns daqueles pássaros de
aço não estariam chegando ou demandando à sua querida Caravelas. Nem bem
desembarcara para enfrentar a cidade grande e já batia forte a saudade da
cidade natal.
O Objetivo de
sua viagem era continuar os estudos, fazendo o chamado Curso Científico e
servir ao Exército.
Logo que Dentinho chegou no porto do Rio de Janeiro,
foi recebido pelo seu tio Macário, que também era marítimo de um navio que
fazia a linha para Caravelas. Entraram num Packard preto, reluzente rumo a um
subúrbio distante do centro da cidade do Rio de Janeiro, chamado Irajá.
Não demorou e seu tio, muito safo na cidade grande, já
tinha arranjado para Dentinho um emprego de Office-boy num escritório na Av.
Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro. Macário também cuidou logo de
leva-lo à Vila Militar em Deodoro, para se alistar no Exército.
Dentinho começou então a trabalhar durante o dia e
estudar a noite. Fôra dispensado do Exército por excesso de contingente.
A cidade grande era tal qual uma selva de pedra para ele, cheia de ruas, prédios,
muitos automóveis e gente pra todo lado. Gente que trabalhava, gente que
enrolava, gente que roubava. Qualquer descuido, qualquer vacilo, havia sempre um
espertinho para ludibriar algum incauto, principalmente pessoas vindas do interior.
Esses malandros tinham “apurado faro” para identificar pessoas com pouca ou
nenhuma maldade adquirida nas grandes metrópoles.
Dentinho era um desses: Com uma pastinha contendo
dezenas de títulos para pagar nos diversos bancos da cidade, calça social de
corte antigo que trouxera de Caravelas,” quase nova “ pois só a usava quando ia
às missas domingueiras na Igreja de Nossa Senhora de Lourdes em Ponta de Areia,
ainda celebrada em latim por frei Otto ou Frei Oswaldo.
Qualquer malandro carioca logo identificava aquele “
Pato “, mormente quando parava frente a um alto edifício e tentava contar
quantos andares tinha. O pescoço chegava a doer de tanto esforço.
Num desses dias ensolarados do verão carioca, ainda em
Fevereiro, com 2 meses de cidade ainda, Dentinho recebeu a incumbência de ir pagar
um título num banco na Rua do Riachuelo, próximo a lapa, naquele tempo tido
como a capital da malandragem carioca. Na saída do escritório, recebera a
recomendação de patrão.
_”Dentinho, cuidado hem! Você está levando dinheiro
vivo pra pagar esse título. Não dê bobeira na rua.”
-“Pode deixar “seu” Azevedo: Tá pensando que sou
bobo?”, Respondeu.
E lá foi Dentinho, ,naquela sexta-feira, assobiando,
calça de roça, sapato furado com um papelão em baixo para não passar umidade,
de quando em vez parando para ver uma ou
outra vitrine em que pensava comprar um bom par de sapatos novos assim que
recebesse pagamento. Também as joias o encantava. Pensava em comprar um bom
anel de ouro e um cordão bem grosso para quando chegasse na sua Ponta de Areia,
dizer aos amigos:
-“ Comprei no Rio !
Comprei no Rio ! “, e conversar bastante, puxando pelo “S”, para parecer
importante e mostrar que já era um “Carioca”.
Não havia vitrine de Joias que Dentinho não perdesse
pelo mesmo uns cinco minutos admirando .
Já no inicio da Rua Riachuelo, enquanto caminhava rumo
ao banco, notou que um moço, com roupa de motorista profissional de ônibus,
caminhava a seu lado.
Andaram uns 10
metros juntos, até que o homem se abaixou, pegou um lindo anel na calçada e
exclamou:
_ “Achamos ! Achamos ! “ e mostrou o anel, bonito, grande, reluzente. Tinha
uma pedra azul, a mais bonita que seus quase dezoitos anos já tinha visto.
-“ Que sorte a nossa, achamos! Exclamava.
- “ Puxa, que
sorte! Você me deu sorte. Bem que eu
estava precisando! “ ajuntou.
- “ Achamos juntos, vamos vender e dividir. Sou do
interior e na minha terra é assim..
Meu pai e minha mãe me ensinaram desde criança a ser
honesto. Acho juto que dividamos o valor do anel. Metade pra mim e metade pra Você.
Esse anel deve valer um dinheirão disse ele. Vamos levar para avaliar numa
joalheria e dividimos o dinheiro.
Dentinho retrucou que havia sido uma mera coincidência
darem alguns passos juntos, que ele achara o anel sozinho, mas a “honestidade”
do homem falou que foi Deus quem mandou ele caminhar ao seu lado e que Dentinho
havia lhe dado sorte. Ele estava mesmo
sem dinheiro para voltar a sua cidade de Muriaé, em Minas Gerais, e a saudade
de sua mulher e dois filhos era grande. Seus argumentos pareceram tão
convincentes, que Dentinho resolveu aceitar tanta generosidade daquele motorista tão bem vestido: Calça azul, camisa cáqui e
gravata com prendedor. .A única coisa que lhe pareceu destoante foi seu sapato, bico fino,
cor preta com ponteira branca. Depois de muito tempo é que descobriu que a
malandragem carioca gostava de calçar sapatos preto e branco.
Deram alguns passos e avistaram na mesma calçada uma
joalheria. Talvez distante uns 20 metros do ponto em que “acharam” o anel.
Havia um homem muito bem vestido na porta.Com ar de dono do estabelecimento.
Ele foi na direção dos dois. . Imediatamente seu mais novo amigo falou pra ele, antes mesmo que
entrássem na loja.:
- “ Quanto vale
esse anel? “
O homem pegou a
peça, balançou-a na mão e com ar de admiração falou:
- Nossa que anel
bonito! Vale um bom dinheiro!
-“ Não te falei
conterrâneo? “ disse o motorista.
Nessa altura Dentinho
logo se interessou pelo anel. A cobiça subiu a cabeça. Desde a
saída do escritório não havia visto anel tão bonito nas vitrines. Se eu
pudesse, se tivesse dinheiro, esse anel seria meu , pensou. Mas ele não tinha. Carregava na pasta o equivalente
a R$ 1.200,00, mas esse dinheiro era da firma. Deus me livre mexer no que é dos
outros, ajuntou
O motorista
perguntou então ao “dono da joalheria,” quanto valia o anel e se o compraria,
ao que o homem respondeu que o anel valia uns 2 mil Cruzeiros, mas que agora
não estava comprando joias caras.
-“ Bem amigo não
tem importância, vamos dar outro jeito. O importante é que agora sabemos que o
anel vale um dinheirão. Vale dois mil cruzeiros. E é nosso! Vamos vender e fica
mil. pra mim e mil. Pra Você.. É justo! Assim, eu compro a passagem de volta
para Muriaé e ainda chego em casa com um
bom dinheiro pra minha família. Foi Deus que botou Você no meu caminho.
Enquanto o homem
falava, Dentinho pensava em como poderia fazer para ter aquele anel tão bonito
e agora, como disseram, tão valioso !
Não demorou e o
homem perguntou quanto ele tinha no bolso. Dentinho lhe disse que não tinha
dinheiro algum, que iria receber pagamento naquela sexta-feira. Ele disse que
se ele arranjasse pelo menos 700 Cruzeiros lhe
entregaria o anel. Estava
precisando ir embora. Questionou o que ele carregava na pasta e Dentinho lhe disse que era só papeis da
firma. Foi então que perguntou onde Dentinho trabalhava e disse que Dentinho podia ir no escritório, dizer que estava precisando do pagamento. Ele esperaria na portaria do
prédio, com o anel. Era só ele descer
com os 700 Cruzeiros que ele entregaria o anel que valia 2.000,00 Cruzeiros!
Era uma grande vantagem para Dentinho
Foram até o prédio
de escritórios onde Dentinho trabalhava no 12 .o andar. Ele ficou esperando na portaria. Tomou o elevador, Dentinho pensando lá com seus botões, que se
conseguisse convencer seu patrão a lhe dar o dinheiro, teria feito um excelente
negócio .Podia até pedir o dinheiro emprestado ao seu patrão, que era boa
gente, e ainda vender o anel, pagar a
ele e ter um excelente lucro! Esse motorista de Muriaé foi um santo que caiu do
Céu, pensou.. Estava dando sorte no Rio de Janeiro !
Entrou esbaforido
na sala, foi direto a mesa do patrão e contou
o caso pra ele, que logo perguntou:
- “ Você pagou o
título dentinho ? Cadê o dinheiro “ ?
-“ Paguei não
sinhô, mas o dinheiro tá aqui.”
O homem respirou
aliviado e disse.:
-“ Dentinho, Você
está caindo num golpe. Depois te explico tudo.
Chamou imediatamente
dois seguranças que trabalhavam para a empresa, mandou que acompanhassem
Dentinho e desceram para encontrar o
motorista. Quando esse viu Dentinho ladeado por dois brutamontes 3 x 4, saiu em
desabalada carreira entre os carros na Presidente Vargas, mas não foi muito
longe: Uma lotação jogou-o a uns 4 metros de distância. Caiu no asfalto no
cruzamento da rua Uruguaiana. Na mão direita, entreaberta, podia-se ver o anel de
metal barato, com o qual despertara a cobiça de Dentinho.