quinta-feira, 20 de setembro de 2018

ACHAMOS !






                                      A C H A M O S !

Dentinho embarcou no vapor Arari no cais de Ponta de Areia, distrito de Caravelas, no Extremo-sul-baiano, às 5:30 da madrugada de uma quarta –feira, em Janeiro de 1963, rumo ao Rio de Janeiro.
Nascido naquele lugarejo, terminou o antigo ensino ginasial em Caravelas no Ginásio Santo Antônio que tinha a fama que conserva até hoje de ser um exemplar estabelecimento de ensino.
Trazidos pelos trilhos da antiga Estrada de Ferro Bahia a Minas, que ligava a cidade Baiana de Caravelas à cidade de Araçuaí no nordeste mineiro, aqui chegavam muitos estudantes vindos de Minas Gerais, principalmente das cidades atravessadas pelos trilhos da estrada de ferro: Ladainha, Novo Cruzeiro, Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque etc., e até outras cidades mais distantes não atendidas ´pela via férrea, como Mantena, Itambacuri e tantas outras. Àquele tempo, Caravelas era considerada importante polo cultural do extremo-sul-baiano.
O navio foi fazendo escalas até o porto do Rio de Janeiro. Primeiro pegou carga e dois passageiros em Nova Viçosa. Ficou um dia lá e zarpou no dia seguinte tão logo a maré permitiu. Dalí, partiu para Vitória, no Espírito Santo. Sempre que não estava botando os bofes pra fora por causa do enjôo, Dentinho corria para a cabine de comando para ficar apreciando o oceano e fuzilar o comandante do navio, “Seu” Vidigueira, com  milhares de perguntas que se atropelavam entre sí. Muito amigo do pai de Dentinho, o velho comandante de tudo fazia para tornar a viagem do filho de seu amigo a menos incômoda possível.
Depois de 7 dias de viagem, o navio aportou primeiro em Niterói, onde ficou por 1 dia e meio .De lá podia-se  avistar o Pão de Açúcar e seu bondinho subindo e descendo e dando curso à imaginação desse jovem que ainda não completara 18 anos, o que faria em Abril.
Observava e se distraia também contando os pousos e decolagens dos aviões no Santos Dumont, aeroporto encravado no centro da Rio de Janeiro, expremido entre os arranha-céus   e a baía de Guanabara. Por vezes essa observação levava seu pensamento ao rincão amado que deixara dias atrás. Quantas vezes, lembrou então, do aeroporto de Caravelas, naquela época, anos 60, que recebia intenso tráfego aéreo, já que era base de abastecimento da Força Aérea Brasileira, com contingente numeroso de militares. Naquela época, muitas companhias faziam escala em Caravelas, além dos aviões da FAB: Pan-Air do Brasil, Loyde Aéreo Nacional, NAB- Navegação Aérea Brasileira, Cruzeiro do Sul, Real Aerovias…Dentinho se perguntava entre um pouso e outra decolagem, se alguns daqueles pássaros de aço não estariam chegando ou demandando à sua querida Caravelas. Nem bem desembarcara para enfrentar a cidade grande e já batia forte a saudade da cidade natal.
 O Objetivo de sua viagem era continuar os estudos, fazendo o chamado Curso Científico e servir ao Exército.
Logo que Dentinho chegou no porto do Rio de Janeiro, foi recebido pelo seu tio Macário, que também era marítimo de um navio que fazia a linha para Caravelas. Entraram num Packard preto, reluzente rumo a um subúrbio distante do centro da cidade do Rio de Janeiro, chamado Irajá.

Não demorou e seu tio, muito safo na cidade grande, já tinha arranjado para Dentinho um emprego de Office-boy num escritório na Av. Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro. Macário também cuidou logo de leva-lo à Vila Militar em Deodoro, para se alistar no Exército.
Dentinho começou então a trabalhar durante o dia e estudar a noite. Fôra dispensado do Exército por excesso de contingente.

A cidade grande era tal qual uma selva  de pedra para ele, cheia de ruas, prédios, muitos automóveis e gente pra todo lado. Gente que trabalhava, gente que enrolava, gente que roubava. Qualquer descuido, qualquer vacilo, havia sempre um espertinho para ludibriar algum incauto, principalmente pessoas vindas do interior. Esses malandros tinham “apurado faro” para identificar pessoas com pouca ou nenhuma maldade adquirida nas grandes metrópoles.

Dentinho era um desses: Com uma pastinha contendo dezenas de títulos para pagar nos diversos bancos da cidade, calça social de corte antigo que trouxera de Caravelas,” quase nova “ pois só a usava quando ia às missas domingueiras na Igreja de Nossa Senhora de Lourdes em Ponta de Areia, ainda celebrada em latim por frei Otto ou Frei Oswaldo.
Qualquer malandro carioca logo identificava aquele “ Pato “, mormente quando parava frente a um alto edifício e tentava contar quantos andares tinha. O pescoço chegava  a doer de tanto esforço.
Num desses dias ensolarados do verão carioca, ainda em Fevereiro, com 2 meses de cidade ainda, Dentinho recebeu a incumbência de ir pagar um título num banco na Rua do Riachuelo, próximo a lapa, naquele tempo tido como a capital da malandragem carioca. Na saída do escritório, recebera a recomendação de patrão.
_”Dentinho, cuidado hem! Você está levando dinheiro vivo pra pagar esse título. Não dê bobeira na rua.”
-“Pode deixar “seu” Azevedo: Tá pensando que sou bobo?”, Respondeu.
E lá foi Dentinho, ,naquela sexta-feira, assobiando, calça de roça, sapato furado com um papelão em baixo para não passar umidade, de quando em vez  parando para ver uma ou outra vitrine em que pensava comprar um bom par de sapatos novos assim que recebesse pagamento. Também as joias o encantava. Pensava em comprar um bom anel de ouro e um cordão bem grosso para quando chegasse na sua Ponta de Areia, dizer aos amigos:
-“ Comprei no Rio !  Comprei no Rio ! “, e conversar bastante, puxando pelo “S”, para parecer importante e mostrar que já era um “Carioca”.

Não havia vitrine de Joias que Dentinho não perdesse pelo mesmo uns cinco minutos admirando .
Já no inicio da Rua Riachuelo, enquanto caminhava rumo ao banco, notou que um moço, com roupa de motorista profissional de ônibus, caminhava a seu lado.
Andaram uns  10 metros juntos, até que o homem se abaixou, pegou um lindo anel na calçada e exclamou:
_ “Achamos ! Achamos ! “ e  mostrou o anel, bonito, grande, reluzente. Tinha uma pedra azul, a mais bonita que seus quase dezoitos anos  já tinha visto.
-“ Que sorte a nossa, achamos! Exclamava.
-  “ Puxa, que sorte!  Você me deu sorte. Bem que eu estava precisando! “ ajuntou.
- “ Achamos juntos, vamos vender e dividir. Sou do interior  e na minha terra é assim..
Meu pai e minha mãe me ensinaram desde criança a ser honesto. Acho juto que dividamos o valor do anel. Metade pra mim e metade pra Você. Esse anel deve valer um dinheirão disse ele. Vamos levar para avaliar numa joalheria e dividimos o dinheiro.
Dentinho retrucou que havia sido uma mera coincidência darem alguns passos juntos, que ele achara o anel sozinho, mas a “honestidade” do homem falou que foi Deus quem mandou ele caminhar ao seu lado e que Dentinho  havia lhe dado sorte. Ele estava mesmo sem dinheiro para voltar a sua cidade de Muriaé, em Minas Gerais, e a saudade de sua mulher e dois filhos era grande. Seus argumentos pareceram tão convincentes, que Dentinho resolveu aceitar tanta generosidade  daquele motorista  tão bem vestido: Calça azul, camisa cáqui e gravata com prendedor. .A única coisa que lhe  pareceu destoante foi seu sapato, bico fino, cor preta com ponteira branca. Depois de muito tempo é que descobriu que a malandragem carioca gostava de calçar sapatos preto e branco.
Deram alguns passos e avistaram na mesma calçada uma joalheria. Talvez distante uns 20 metros do ponto em que “acharam” o anel. Havia um homem muito bem vestido na porta.Com ar de dono do estabelecimento. Ele foi na direção dos dois. . Imediatamente seu  mais novo amigo falou pra ele, antes mesmo que entrássem na loja.:
- “ Quanto vale esse anel? “
O homem pegou a peça, balançou-a na mão e com ar de admiração falou:
- Nossa que anel bonito! Vale um bom dinheiro!
-“ Não te falei conterrâneo? “ disse o motorista.
Nessa altura Dentinho  logo se interessou  pelo anel. A cobiça subiu a cabeça. Desde a saída do escritório não havia visto anel tão bonito nas vitrines. Se eu pudesse, se tivesse dinheiro, esse anel seria meu , pensou. Mas   ele não tinha. Carregava na pasta o equivalente a R$ 1.200,00, mas esse dinheiro era da firma. Deus me livre mexer no que é dos outros, ajuntou
O motorista perguntou então ao “dono da joalheria,” quanto valia o anel e se o compraria, ao que o homem respondeu que o anel valia uns 2 mil Cruzeiros, mas que agora não estava comprando joias caras.
-“ Bem amigo não tem importância, vamos dar outro jeito. O importante é que agora sabemos que o anel vale um dinheirão. Vale dois mil cruzeiros. E é nosso! Vamos vender e fica mil. pra mim e mil. Pra Você.. É justo! Assim, eu compro a passagem de volta para Muriaé e ainda chego em casa com  um bom dinheiro pra minha família. Foi Deus que botou Você no meu caminho.

Enquanto o homem falava, Dentinho pensava em como poderia fazer para ter aquele anel tão bonito e agora, como disseram, tão valioso !
Não demorou e o homem perguntou quanto ele tinha no bolso. Dentinho lhe disse que não tinha dinheiro algum, que iria receber pagamento naquela sexta-feira. Ele disse que se ele arranjasse pelo menos 700 Cruzeiros lhe  entregaria  o anel. Estava precisando ir embora. Questionou o que ele carregava na pasta e  Dentinho lhe disse que era só papeis da firma. Foi então  que perguntou onde Dentinho  trabalhava e disse que Dentinho  podia ir no escritório, dizer que estava precisando  do pagamento. Ele esperaria na portaria do prédio, com  o anel. Era só ele descer com os 700 Cruzeiros que ele entregaria o anel que valia 2.000,00 Cruzeiros! Era uma grande vantagem para Dentinho
Foram  até o prédio  de escritórios onde Dentinho  trabalhava no 12 .o andar. Ele ficou  esperando na portaria. Tomou  o elevador, Dentinho  pensando lá com seus botões, que se conseguisse convencer seu patrão a lhe dar o dinheiro, teria feito um excelente negócio .Podia até pedir o dinheiro emprestado ao seu patrão, que era boa gente, e ainda  vender o anel, pagar a ele e ter um excelente lucro! Esse motorista de Muriaé foi um santo que caiu do Céu, pensou.. Estava dando sorte no Rio de Janeiro !
Entrou esbaforido na sala, foi direto a  mesa do patrão e contou o caso pra ele, que logo perguntou:
- “ Você pagou o título dentinho ?  Cadê o dinheiro            “ ?
-“ Paguei não sinhô, mas o dinheiro tá aqui.”
O homem respirou aliviado e disse.:
-“ Dentinho, Você está caindo num golpe. Depois te explico tudo.
Chamou imediatamente dois seguranças que trabalhavam para a empresa, mandou que acompanhassem Dentinho  e desceram para encontrar o motorista. Quando esse viu Dentinho ladeado por dois brutamontes 3 x 4, saiu em desabalada carreira entre os carros na Presidente Vargas, mas não foi muito longe: Uma lotação jogou-o a uns 4 metros de distância. Caiu no asfalto no cruzamento da rua Uruguaiana. Na mão direita, entreaberta, podia-se ver o anel de metal barato, com o qual despertara a cobiça de Dentinho.

FIM


Este conto, de autoria de Jésus Barreto, foi premiado com o 3.o. lugar no Concurso Literário da Academia Teixeirense de Letras, Prêmio Castro Alves, no ano de 2018.


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