sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

CONTO DO ESCRITOR JOSÉ NICOLAU OBTÉM O PRIMEIRO LUGAR NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO



O VELHO

JOSE NICOLA
U


No dia 25 de dezembro do ano 2000, ela acordou sobressaltada. Passou o braço ao seu lado, na cama, e sentiu-a vazia. Não ouviu qualquer barulho no sanitário. Imediatamente se levantou e foi até a sala e, nada... Não havia ninguém. Encaminhou-se até a cozinha e nada... Já ia voltar, quando olhou para a porta aberta da área e viu um pé estendido no chão. Aproximou-se e lá estava ele, desfalecido. Correu e, abaixando-se, tentou reanimá-lo. Seus olhos estavam abertos, porém completamente sem vida! Seus lábios balbuciavam palavras ininteligíveis. Correu para a porta e no corredor gritou por socorro. Logo os vizinhos atenderam seus chamados e, após longos minutos, chegaram os atendentes de uma ambulância do SAMU. Informaram a ela a gravidade da situação e que o levariam para o Hospital Miguel Couto, na Gávea. O médico da equipe informou que ele provavelmente fizera um AVC. Ela poderia acompanhá-los para as providências burocráticas.
A internação durou oito dias, sendo quatro na UTI. A alta informava que as poucas e leves sequelas poderiam ser revertidas com fisioterapia, oferecidas em unidades municipais de saúde, já que ele não possuía nenhum tipo de convênio médico. Apesar de toda sua preocupação, ela se sentiu aliviada sabendo que ele teria acesso gratuito ao tratamento necessário.
Com a prestimosidade de um vizinho ela o levou de volta ao pequeno e antigo apartamento alugado em que moravam no Catumbi. Foram muito difíceis os primeiros dias com as dificuldades dele no falar e no andar, mas ela acabou por arranjar condução da Prefeitura para ir e vir nas seções de fisioterapia e aos poucos ele foi voltando à normalidade. Foi mais de ano nessa faina e ao final ele já andava e falava com alguma desenvoltura. Os remédios constituíam um problema à parte. Os médicos receitavam remédios que muitas vezes não eram oferecidos pela farmácia da Prefeitura e a compra desses medicamentos comprometiam muito o minguado orçamento familiar do casal.
A aprovação e a sanção do Estatuto do Idoso em 2003 pelas autoridades federais, haviam-no deixado com muita esperança no futuro! Sonhava com viagens, vida confortável e sem preocupações financeiras, pois até então o idoso era considerado simplesmente um velho descartável.
— Mulher, logo o nosso dinheiro vai começar a sobrar e então poderemos visitar nossa terra natal!...
— Deixe de sonhar, meu velho! A Bahia é um sonho distante! Você nem faz mais uma fezinha no bicho... Retorquiu com um olhar distante.
— Mas, mulher, existe até passagem de graça pra gente! Dinheiro a gente vai precisar só para as despesas lá; o que é, mais ou menos, o mesmo que gastamos aqui...
— E os seus remédios, homem?...
— Isso daremos um jeito. Respondeu esperançoso.
Há sessenta anos haviam saído de Caravelas, no extremo sul da Bahia, para vencer na cidade maravilhosa. Casaram-se e lutaram a vida toda! As poucas vezes em que ela engravidou, acabou por abortar espontaneamente. Foram morar no Catumbi, em um pequeno apartamento, de propriedade de uma entidade filantrópica, e há muito pagavam um aluguel simbólico.
No final de 2008, num exame médico de rotina, foi pedida uma tomografia computadorizada do tórax da mulher para esclarecer umas dores que a acometia de vez em quando. Durante o exame, no entanto, um fulminante ataque cardíaco acabou por tirar-lhe a vida. Com poucas presenças, no Cemitério do Catumbi, o enterro deixou o velho desolado!
Com o auxilio dos vizinhos passou a levar sua vida como um pesado fardo. E, no fim de 2010, resolveu voltar para a sua cidade natal. Com setenta e sete anos e uma pequena mala ele embarcou, com passagem gratuita, em um ônibus com destino a Caravelas. Antes do embarque conversou animadamente com o motorista do coletivo contando as maravilhas de sua cidade!... Cidade esta que talvez ele nem conhecesse mais...
— Bem, vamos embarcar pois temos quase dezessete horas de viagem, com paradas em Campos, Vitória, São Mateus e baldeação em Teixeira de Freitas.
Todos os passageiros embarcaram. Eram 21:00 e lentamente o ônibus foi ganhando velocidade. O velho se acomodou e se envolveu em um cobertor que havia trazido. Ao seu lado a cadeira estava vazia. Observava as luzes da cidade que o acolhera por quase setenta anos! O contorno dos morros, a ponte, os edifícios ao longe, as lembranças da mulher e sua prematura partida, os sonhos de viagens e de uma vida mais confortável, a pequena aposentadoria que minguava ano após ano... Todas estas lembranças provocavam lágrimas em seus olhos... Começou a sentir uma terrível faltar de ar em seus pulmões. Uma fina e intermitente dor, vinda do interior de seu peito, o deixava cansado, muito cansado...
O motorista observava, intrigado, que o velho não havia se levantado em nenhuma das paradas do ônibus. Em Teixeira de Freitas, para a baldeação, resolveu acordá-lo:
— Hei, meu Velho, estamos em Teixeira, não quer tomar um café? Perguntou.
Nenhuma resposta.
O motorista resolveu dar uma sacudidela no Velho, mas ao encostar em seu braço notou que estava gelado! Descobriu o Velho e constatou, assustado, que naquele corpo não havia mais vida...

FIM

ABEIRA DO ARACARÉ

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